sábado, agosto 03, 2013

John Zorn: a paixão do caos


* THE DREAMERS / John Zorn
> Sexta, 02 Ago 2013, 21:30 - Anfiteatro ao Ar Livre

A edição nº 30 do Jazz em Agosto começou (e vai continuar) com John Zorn. Sem saxofone, a dirigir The Dreamers, uma colecção de velhos aliados, incluindo o guitarrista Marc Ribot — uma genuína revisitação de muito antigas cumplicidades, ao mesmo tempo deixando a expressão eloquente e feliz de que... tudo é possível.
Valerá a pena referir que Zorn, sentado na sua cadeira, perto de Ribot, de perfil para a zona central do auditório, se assume como o mais paradoxal dos maestros: por um lado, prevalece a sensação de que assistimos a uma pluralidade de intervenções em cada um dos músicos parece ter (e tem, de facto) uma admirável liberdade de participação e expressão; por outro lado, Zorn nunca é um espectador passivo, emergindo regularmente com indicações muito precisas para a entrada deste ou daquele instrumento ou organizando algum diálogo entre dois ou mais dos participantes. Dir-se-ia que ele dispensa qualquer orientação específica para Ribot, sempre contundente e exemplar nas suas entradas, e o contrabaixista Trevor Dunn, este de certo modo assegurando um background discreto, mas vital. Os outros — Jamie Saft (teclados), Kenny Wollesen (vibrafone), Joey Baron (bateria) e Cyro Baptista (percussão) — são peças "móveis" de um arquitectura em que cada tema nos surge como a concretização, singular e monumental, de algo que poderia gerar texturas completamente diferentes.
Talvez haja outra maneira de sugerir aquilo que acontece. Tudo se passa como se Zorn partisse de uma atenção obsessiva, passional sem dúvida, à paisagem caótica de onde a música pode surgir (a ponto de o ruído dos aviões por cima dos jardins da Gulbenkian nos parecer "natural"). Tal atenção não tem, porém, nada de displicente: a performance impõe-se como o triunfo de uma ordem sobre a sedução pueril do caos. Aquilo a que assistimos confunde-se, por isso, com a celebração de uma vontade que tem tanto de exercício íntimo como de partilha com o colectivo dos espectadores. Em termos simples: um dos grandes concertos de 2013.