segunda-feira, maio 19, 2014

Cannes 2014: livros

JL
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[Texto publicado no DN, 14 Maio] É bem verdade: não é possível conceber a cinefilia sem uma relação interessada, intelectual e afectiva, com o mundo dos livros. E não apenas porque o cinema sempre manteve uma frondosa cumplicidade criativa com a literatura — sobretudo porque muitos filmes e cineastas devem as suas visões às mais diversas contaminações literárias.
Daí a tristeza de chegar a Cannes, fazer aquela habitual caminhada de reconhecimento pelas ruas próximo do Palácio dos Festivais, encontrar sempre mais dois ou três restaurantes remodelados e chegar ao nº 7 da rue des Belges, constatando o desaparecimento da Livraria Sorbonne. A identificação ainda lá está, mas as duas portas, com a montra ao centro, estão tapadas com papel: já não existe um dos lugares incontornáveis do mapa cultural de Cannes.
Ao que parece, o encerramento não se explica apenas por questões locais, tendo a ver com problemas estruturais do grupo que integrava a livraria. Seja como for, esta é uma daquelas peripécias que adquire um inevitável valor sintomático. O mesmo se poderia dizer, aliás, do fim da loja de jornais, revistas e recordações que funcionava em frente do palácio e que, há poucos anos, também desapareceu para dar lugar a uma torre de apartamentos (este ano, em promoção para venda).
Afinal de contas, com ou sem nostalgia, não podemos deixar de assistir à decomposição de um mundo em que a comunicação através do papel desempenhava uma função nuclear. Assim, tornaram-se cada vez mais raros os filmes que surgem apoiados por dossiers de imprensa impressos em formato de livro. De Grace de Monaco, por exemplo, os jornalistas receberam um simples postal com o cartaz do filme e um endereço da Internet: quem quiser aceder a textos e fotos, basta procurar no admirável mundo virtual.